sábado, 5 de setembro de 2015

[Estava eu numa noite com uma atroz judia], de Charles Baudelaire

Estava eu numa noite com uma atroz judia,
Como ao pé de um cadáver um outro estendido,
E então pus-me a pensar, junto ao corpo vendido,
Nessa triste beleza de que eu prescindia.

E logo lhe evoquei a inata majestade,
A graça do olhar tão cheio de vigor,
Os cabelos, parecendo um elmo perfumado,
Cuja recordação me desperta o amor.

Pois com fervor teria beijado o teu corpo
Desde os viçosos pés até às tranças negras,
Pra te mostrar o cofre das maiores carícias,

Se uma noite num choro espontâneo, sem esforço,
Ó rainha cruel! conseguisses ao menos
Turvar o resplendor dessas frias pupilas.

(in As Flores do Mal; trad. Fernando Pinto do Amaral, ed. Assírio & Alvim, 1996)

Sem comentários: